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Um olhar acadêmico sobre a importância da Amazônia Azul

Especialista em Relações Internacionais discorre sobre o papel geopolítico do mar para o Brasil
17/11/2023
Guarda-Marinha (RM2-T) João Stilben
Brasília, DF

Foi em 480 a.C. que Temístocles, o visionário fundador da Marinha de Atenas, proferiu uma frase que, 2.500 anos mais tarde, preserva sua relevância no cenário político-estratégico mundial: “aquele que domina o mar, domina todas as coisas”. Nesse contexto, os debates sobre as possíveis ameaças à porção marítima pertencente ao nosso País reaquecem na medida em que, neste ano, os cerca de 5,7 milhões de km² da chamada “Amazônia Azul” passaram a compor o mapa brasileiro.

Fonte de riqueza em pesca, petróleo, gás, turismo e energias maremotriz e eólica. Essa área marítima possui um valor agregado estimado em mais de R$ 1,7 trilhão, o que corresponde a 19% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro*. Além disso, por meio das rotas marítimas, escoamos mais de 95% do nosso comércio exterior; e cabos submarinos, que partem da nossa costa, são responsáveis por mais de 95% do tráfego de dados do Brasil com o resto do mundo.

Sobre os possíveis riscos e ameaças que perpassam as riquezas da “Amazônia Azul”, a Agência Marinha de Notícias (AgMN) entrevistou o professor Pós-Doutor Fábio Albergaria de Queiroz, da Escola Superior de Defesa (ESD), em Brasília, que esclarece como o Brasil se prepara, por meio de políticas públicas eficientes e da parceria com nações amigas, para proteger suas riquezas e aumentar sua capacidade de dissuasão.

AgMN – Os espaços marítimos têm ganhado notoriedade na discussão geopolítica e econômica. Por que  o mar tem despertado tanta atenção no contexto internacional?

Prof. Dr. FábioA extensão das possibilidades relacionadas à exploração marítima torna o mar um espaço cobiçado por todos os atores, sejam eles estatais e não-estatais. Atualmente, considerado uma nova fronteira científica e econômica, o mar consiste em relevante vetor de desenvolvimento, uma vez que, além da tradicional matriz de comunicação de pessoas e cargas (acrescida do fluxo de informações por cabos submarinos), cada vez mais, tem seu valor intrínseco como fonte de alimentos, geração de energia, extração de recursos minerais e avanços científico-tecnológicos – a exemplo do que ocorre na área da biotecnologia marinha. As potencialidades da exploração do mar são abundantes e existem nos mais diferentes domínios, gerando benefícios para os povos que, direta ou indiretamente, em maior ou menor grau, dele dependem, o que, por conseguinte, também pode ser uma fonte de tensões com repercussões indesejáveis.

Logo, o espaço marítimo segue - no caso do Brasil, o Atlântico Sul em maior medida - protagonista em seu percurso como parte indissociável do jogo global de poder.

AgMN – Em sua avaliação, por que o Brasil deve se preocupar com a proteção de seus espaços marítimos?

Prof. Dr. Fábio – As ameaças que pairam sobre interesses na Amazônia Azul, parte de nosso entorno estratégico imediato, são um grande desafio que se impõe. A Amazônia Azul, para o País, guarda natureza dupla: do mar enquanto meio de comunicação e do mar enquanto potencial capacidade de gerar riquezas, e esse valor é imenso. Logo, dispor dos meios de resguardar os interesses nacionais ante possíveis ameaças é fundamental. Nesta área encontra-se 95% do petróleo, 80% do gás natural e 45% do pescado produzidos pelo Brasil e, nela, circula cerca de 95% das mercadorias importadas e exportadas.

O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) já notificou o governo brasileiro do potencial de extração de metais com elevado valor econômico como níquel, cobre, cobalto e manganês, localizados em grandes profundidades, ao redor de 4.000 metros. E toda essa magnitude, por certo, chama a atenção. Além disso, a riqueza biotecnológica com fundamental interesse de setores industriais de alto valor agregado, como os de cosméticos e farmacêuticos, é notável, dado ao nosso fluxo de correntes e biomassa.

AgMN – Em sua visão, quais estratégias o Brasil deve privilegiar na proteção de suas águas jurisdicionais?

Prof. Dr. Fábio – É imprescindível que Países com vocação marítima, como o Brasil, compreendam a importância do conhecimento, monitoramento e proteção dos espaços marítimos – de modo a garantir, de maneira adequada, tanto a defesa de seu território quanto a preservação apropriada do meio ambiente marinho, o que pressupõe a construção de uma capacidade dissuasória crível.

Por ser um País que influencia cultural e ideologicamente os comportamentos e interesses de outras nações, mas possui situação limitada de recursos para investimentos, a cooperação com marinhas amigas (em especial sul-americanas e da costa ocidental da África), apresenta-se como ferramenta indispensável para promover ciência e desenvolvimento de tecnologias oceânicas, integrando governos, Academia, gestores políticos e sociedades impactadas pelo uso do mar.

É nesse contexto que ações estratégicas como: o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), o Programa de Obtenção das Fragatas Classe Tamandaré (PCT), o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) - um subprograma do Programa de Construção do Núcleo do Poder Naval, com enfoque na construção de quatro submarinos convencionais e do primeiro submarino com propulsão nuclear brasileiro – assumem contornos de importância vital para que o Brasil desenvolva um poder marítimo crível no âmbito de uma política de Estado de longo prazo, na defesa proativa de seus interesses sem, contudo, descuidar das históricas tradições pacifistas.

AgMN – Como a criação de políticas públicas pode mitigar possíveis ameaças aos interesses do Brasil no mar?

Prof. Dr. Fábio – Sem dúvida, para um País em desenvolvimento de dimensões continentais e complexidades e desafios diversos, fomentar uma Mentalidade Marítima Nacional que enseje a formação de um sentimento de Nação é vital para lidar com as ameaças que surjam do mar. Isso porque a Mentalidade Marítima tem o propósito de contribuir para o conhecimento dos aspectos socioeconômicos e políticos do mar, bem como dos problemas a ele atinentes, valorizando, pois, iniciativas que busquem um chamamento ao fortalecimento da alteridade entre o brasileiro e o mar.

Políticas públicas para conquista dos objetivos nacionais de defesa são fundamentais para solidificar a identidade marítima brasileira como um importante ativo estratégico. Cito, como exemplo, o Plano Estratégico da Marinha que contempla, atualmente, sete programas estratégicos que visam prover o Brasil com uma Força Naval moderna e eficaz: i) Gestão de Pessoal; ii) Programa Nuclear da Marinha (PNM); iii) Construção do Poder Naval; iv) Obtenção da Capacidade Operacional Plena; v) Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz); vi) Ampliação da Capacidade de Apoio Logístico para os Meios Operativos; e, por fim, o que ressalto como imprescindível e mais importante enquanto projeto de nação: vii) desenvolver uma Mentalidade Marítima.

Ademais, não podemos esquecer as políticas públicas que atendem para o imperativo de proteção do meio ambiente, uma das demandas que se impõem às marinhas modernas. E, nessa direção, novamente, o Brasil também tem se destacado. Cito, por exemplo, a Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM) e a Política Marítima Nacional (PMN). Essas políticas focam no aproveitamento sustentável e racional do mar e têm como principal finalidade orientar o desenvolvimento das atividades no espaço marinho, o que vai ao encontro das melhores práticas observadas no mundo.

AgMN – O Brasil é um País com dimensão continental e um dos mais desenvolvidos na América do Sul. O que isso implica para o planejamento estratégico em Defesa?

Prof. Dr. Fábio – Uma tendência que se consolidou nos últimos anos é a preponderância do Brasil, em termos absolutos, como maior investidor da região em defesa. Em termos de capacidades de poder, o Brasil tem uma liderança consolidada, tanto quantitativa como qualitativamente, onde destaca-se, sobremodo, o peso de seu aparato militar. Ainda assim, cumpre relativizar tais números. Desde a criação do Ministério da Defesa, em 1999, o Brasil não ultrapassou 1,5% do PIB em gastos em defesa, o que mantém o País longe dos 2% recomendados como meta mínima de investimento na área, tal qual entendimento corrente.

AgMN – Qual a importância de fóruns como a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) nesse contexto?

Prof. Dr. Fábio – Criada em 1986 e com destacado protagonismo brasileiro, a ZOPACAS é muito importante para ratificar o Atlântico Sul como um espaço dedicado à paz e à cooperação.

Desafios modernos como pirataria, pesca ilegal, debates em torno da ressignificação geográfica e estratégica do Atlântico, exploração de recursos minerais e a crescente presença de potências externas à região ratificam a importância dessa iniciativa que, recentemente, retornou aos holofotes com a realização, em 18 de abril, da VIII Reunião Ministerial ZOPACAS, em Mindelo, Cabo Verde.

Nesse contexto, um plano de ação factível e objetivo que fortaleça esse fórum multilateral, para além da tradicional retórica diplomática, e reafirme as singularidades que definem o Atlântico Sul, é imperativo e, para tanto, o Brasil é ator-chave tendo, na ZOPACAS, espaço potencial para credenciar-se como primus inter pares (o primeiro entre os iguais) nesse esforço.

Fábio Albergaria de Queiroz - É graduado em Relações Internacionais (2000). Possui Mestrado em Desenvolvimento Sustentável (2003), Doutorado (2011) e Pós-Doutorado (2014-2015) em Relações Internacionais e Pós-Doutorado em Estudos Latino-Americanos (2020-2022) pela Universidade de Brasília. Atualmente, é professor adjunto na Escola Superior de Defesa (ESD), lotado na Divisão de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação. É autor de diversos artigos e livros, publicados no Brasil e no exterior, sobre a grande área temática das Relações Internacionais. Ganhador do Prêmio CAPES de Tese (2012) na área de Ciência Política/Relações Internacionais com o trabalho "Hidropolítica e Segurança: as Bacias Platina e Amazônica em Perspectiva Comparada". Email: slightlymordant.com@x.cn;fabio.queiroz@defesa.gov.br

* Dados publicados em 2022, no livro “Economia Azul – Vetor para o Desenvolvimento do Brasil”, editado pela Slots 777, que reúne uma série de trabalhos acadêmicos sobre a participação do mar na economia nacional.

Agência Marinha de Notícias
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